quinta-feira, 4 de julho de 2013

APELAÇÃO CÍVEL - REFORMA DE SENTENÇA

SENTENÇA JUDICIAL - JURISPRUDENCIA

SENTENÇAS JUDICIAIS NO CASO CÉSIO 137
DAS JURISPRUDÊNCIAS




1 – JUSTIÇA FEDERAL – SEÇÃO JUDICIÁRIA DE GOIÁS


“AC 2001.01.00.014371-2/GO; APELAÇÃO CIVEL
Processo: DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA
Órgão Julgador: QUINTA TURMA
Publicação: 15/08/2005 DJ p.45
Data da Decisão: 27/07/2005

Decisão: A Turma, por maioria, deu parcial provimento à apelação do Ministério Público Federal e da CNEN, por unanimidade, negou provimento às apelações de Amaurillo Monteiro de Oliveira; Carlos de Figueiredo Bezerril e Criseide Castro Dourado e do Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado de Goiás - IPASGO e julgou prejudicada a remessa oficial.

Ementa: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MEIO AMBIENTE. ACIDENTE RADIOLÓGICO EM GOIÂNIA COM BOMBA DE CÉSIO 137. DANO AMBIENTAL E PESSOAL. PRESCRIÇÃO. PODER DE POLÍCIA, FISCALIZAÇÃO DE ATIVIDADES COM APARELHOS RADIOATIVOS. VIGILÂNCIA SANITÁRIA. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA UNIÃO FEDERAL. FISCALIZAÇÃO DE CLÍNICA MÉDICA. RESPONSABILIDADE DA SECRETARIA ESTADUAL DE SAÚDE. ABANDONO DE MATERIAL RADIOATIVO POR PROPRIETÁRIO DA CLÍNICA. NEGLIGÊNCIA E IMPRUDÊNCIA. SOLIDARIEDADE DECORRENTE DE ATO ILÍCITO. OBRIGAÇÃO DE FAZER (PRESTAÇÃO DE ATENDIMENTO MÉDICO HOSPITALAR ÀS VÍTIMAS), OBRIGAÇÃO DE DAR (PAGAMENTO AO FUNDO DE DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS).

1. Embora o acidente com os radioisótopos de utilização médica tenham sido expressamente excluídos da disciplina da Lei 6.453/77, que dispõe sobre a responsabilidade civil sobre danos nucleares, o dano ambiental por ser de ordem pública é indisponível e insuscetível de prescrição enquanto seus efeitos nefastos continuam a produzir lesão.

2. A configuração do dano ambiental causado pelo maior acidente radiológico do mundo com a destruição da bomba de césio 137,na cidade de Goiânia, no ano de 1987, é fato público e notório e também fartamente documentado nos autos.

3. O direito à reparação do dano (actio nata) não surge com o acidente, mas com a lesão por ele causada, isto é, com o conhecimento pela vítima da lesão sofrida. Se após o dano ambiental inicial decorrente do acidente radiológico com a bomba de césio 137, anos depois, o efeito do dano ambiental continua provocando lesão nas vítimas e fazendo novas vítimas, não há se falar em prescrição qüinqüenal contra a Fazenda Pública.

4. A pessoa natural não se confunde com a pessoa jurídica. A responsabilidade pela reparação do dano é atribuível a quem explora a atividade que teria dado ensejo ao acidente. Se o dano é resultante de ato ilícito, todos os que concorrem para o resultado são responsáveis na reparação dos efeitos lesivos.

5. O acidente radiológico com o césio 137, em setembro de 1987 na cidade de Goiânia, insere-se no conceito legal de dano ambiental, eis que implicou em lançar na atmosfera e no solo substância química desencadeadora de processo de radiação que atingiu pessoas e animais.

6. O acidente radiológico gerou a contaminação de vários locais naquela cidade e ocasionou a coleta de quatorze toneladas de material radioativo. O desastre ambiental produziu dano no passado, está a produzi-los no presente e poderá continuar a produzi-los no futuro, pois diversas conseqüências físicas poderão atingir pessoas que tiveram contato com a radiação ou que a recebeu indiretamente pela ascensão à atmosfera de átomos que se desintegraram no ar.

7. O dano ambiental decorrente da exposição radiológica provocou danos físicos que causaram a morte de quatro pessoas e atingiu, direta ou indiretamente, outras centenas, das quais foram assim distribuídas: a) Grupo I - 57 pessoas envolvidas diretamente no acidente, com maior grau de contaminação interna e externa, com queimaduras na pele e radiodermites; Grupo II - 50 pessoas também contaminadas, porém sem queimaduras de pelo ou radiodermites e Grupo III - outras 514 pessoas acompanhadas anualmente com dosimetria baixa ou não detectada (familiares das vítimas dos Grupos I e II, profissionais que trabalharam no acidente e funcionários da Vigilância Sanitária Estadual).

8. O césio não é substância nuclear e sim um radioisótopo e, em conseqüência, o acidente ocorrido em Goiânia não foi um acidente nuclear, mas radiológico em proporção gigantesca.

9. Poluidor é a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade de degradação ambiental (art. 3º, IV da Lei 6.938/81).

10. A identificação do nexo causal requer que se verifique em cada caso concreto quem ou o que é a causa imediata ou mediata do dano e que teve condições de impedi-lo para que o resultado não ocorresse.

11. Tratando-se de ato omissivo do Poder Público, a responsabilidade é subjetiva, pelo que se exige dolo ou culpa,
em sentido estrito, esta numa de suas três modalidades - negligência, imperícia e imprudência, não sendo necessário individualizá-la, dada que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a falta do serviço.

12. A falta do serviço (faute du service) não dispensa o requisito da causalidade, vale dizer o nexo de causalidade entre a omissão atribuída ao Poder Público e o dano causado.

13. Não é da competência da União manter a fiscalização das clínicas radiológicas, sendo parte ilegítima ad causam.

14. O Decreto nº 77.052, de 19.01.76, dispõe sobre a fiscalização sanitária e seu art. 1º estabelece que a verificação das condições de profissões e ocupações técnicas e auxiliares relacionadas diretamente com a saúde compete às Secretarias de Saúde dos Estados (adequação das condições do ambiente, o estado de funcionamento de equipamentos e aparelhos e meios de proteção capazes de evitar efeitos nocivos à saúde dos agentes, clientes, pacientes e dos circunstantes).

15. Compete à Secretaria de Saúde dos Estados a fiscalização de serviços que utilizem aparelhos e equipamentos geradores de raio X, substâncias radioativas ou radiações ionizantes.

16. Constitui infração sanitária a utilização de serviço que utilizem aparelhos de raio X e outras substâncias radioativas fora dos parâmetros legais (art. 10, inciso III, do Decreto 77.052/76). Constatada a infração sanitária praticado pelo Instituto Goiano de Radiologia (IGR), deveria a Secretaria de Saúde do Estado de Goiás comunicar o fato à autoridade policial.

17. Agiu com negligência a autoridade sanitária estadual que não fiscalizou o IGR nos termos do decreto regulamentar e da lei 6.437/77 (art. 10). O caso sub judice não diz respeito ao monopólio de comércio radioisótopos artificiais e substâncias radioativas, mas de uso indevido (abandono) de um aparelho radiológico em local de acesso a transeuntes.


18. É dever do Estado de Goiás prestar assistência médica especializada às vítimas da radiação do césio 137, vez que os problemas de saúde a elas acometidos são graves e sinistros exigindo atendimento especial.

19. Se uma ou mais pessoas concorreram culposamente para que se produzisse o resultado, respondem solidariamente pelos danos. E responsabilidade solidária, significa que todos são responsáveis pela dívida, conforme se encontra expresso no parágrafo único do art. 896 do Código Civil. A sentença atenta ao fato ao dispor que "a imputação da responsabilidade aos figurantes do pólo passivo deu-se na forma solidária (CC art. 1518)".


20. Como conseqüência na natureza solidária das atribuições resultantes do ato ilícito é possível a atribuição ao Estado de Goiás prestar assistência médica às suas vítimas e: (a) fazer atendimento especial médico-hospitalar, técnico-científico, odontológico, psicológico às vítimas diretas e indiretas, reconhecidamente atingidas, até a 3ª geração, como estava sendo feita pela extinta Fundação Leide Neves; (b) fazer o transporte das vítimas em estado mais grave (do Grupo I) para realização dos exames, caso necessário, em ambulâncias; (c) prosseguir o acompanhamento médico da população de Abadia de Goiás - GO, vizinha ao depósito de rejeitos radioativos, bem como prestar eventual atendimento médico, em caso de contaminação; (d) efetivar sistema de notificação epidemiológica sobre câncer; (e) fazer o trabalho de monitoramento epidemiológico na população de Goiânia; (f) manter na cidade de Goiânia centro de atendimento específico para as vítimas do césio 137, com médicos especializados como era feito pela extinta FUNLEIDE; (g) desenvolver um programa de saúde especial para crianças vítimas diretas ou indiretas da radiação.

21. A competência da Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN, nos termos do art. 2º da Lei 6.189/74, vigente à época dos fatos, era fiscalizar o reconhecimento e o levantamento geológico de minerais nucleares; a pesquisa; a lavra e a industrialização de minérios nucleares; a produção e o comércio de materiais; a indústria de produção de materiais e equipamentos destinados ao desenvolvimento nuclear. A CNEN não possui atribuição legal de fiscalizar a utilização de aparelhos de radioisótopos artificiais ou de hospitais que utilizem substâncias radioativas.

22. Segundo legislação vigente ao tempo do acidente com a bomba de césio 137, a competência da CNEN era circunscrita a expedir normas referentes ao tratamento e à eliminação de rejeitos radioativos (art. 2º da Lei 6.189/74). Os rejeitos radioativos precisam ser tratados antes de serem liberados para o meio ambiente, se for o caso. O acidente de Goiânia envolveu uma contaminação radioativa, isto é, a existência de material radioativo onde não deveria estar presente.

23. Compete à CNEN expedir regulamentos e normas de segurança e proteção relativos ao tratamento e a eliminação de rejeitos radioativos e não há demonstração de que a autarquia tenha feito o trabalho de esclarecimento necessário.

24. Não se houve a CNEN com a diligência necessária após o acidente no sentido de prevenir e esclarecer aos bombeiros que fizeram a limpeza do local que deveriam usar roupas apropriadas.

25. O IPASGO, mesmo não sendo o responsável pelo abandono da bomba de césio em seu imóvel, tinha o dever de zelar para que ele não desse causa a transtornos a saúde e segurança da vizinhança (art. 554 do CC). O art. 1.528 do CC também estabelece a responsabilidade do dano pelos danos decorrentes da ruína do imóvel. Ainda que não tenha sido o IPASGO quem demoliu o prédio, ao tornar-se seu proprietário e possuidor, deveria cuidar de repará-lo, pois o alojamento da substância radiológica assim o exigia.

26. Amaurillo Monteiro de Oliveira, ex-sócio do IGR, agiu com imprudência ao demolir parte do imóvel e nele deixar abandonada a bomba de césio 137 que foi objeto de subtração e depois destruída a marteladas, dando início ao desastre.

27. Apelação do Ministério Público Federal parcialmente provida para declarar a legitimidade passiva ad causam dos médicos Carlos de Figueiredo Bezerril e Criseide Castro Dourado e condenar os réus ao pagamento individual de R$ 100.000,00 em favor do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos e para condenar o Estado de Goiás ao pagamento de R$ 100.000,00 ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos e as seguintes obrigações de fazer: (a) fazer atendimento especial médico-hospitalar, técnico-científico, odontológico, psicológico às vítimas diretas e indiretas, reconhecidamente atingidas, até a 3ª geração, como estava sendo feita pela extinta Fundação Leide Neves; (b) fazer o transporte das vítimas em estado mais grave (do Grupo I) para realização dos exames, caso necessário, em ambulâncias; (c) prosseguir o acompanhamento médico da população de Abadia de Goiás - GO, vizinha ao depósito de rejeitos radioativos, bem como prestar eventual atendimento médico, em caso de contaminação; (d) efetivar sistema de notificação epidemiológica sobre câncer; (e) fazer o trabalho de monitoramento epidemiológico na população de Goiânia; (f) manter na cidade de Goiânia centro de atendimento específico para as vítimas do césio 137, com médicos especializados como era feito pela extinta FUNLEIDE; (g) desenvolver um programa de saúde especial para crianças vítimas diretas ou indiretas da radiação.

28. Apelação da CNEN parcialmente provida para diminuir para R$ 100.000,00 a condenação ao pagamento ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos e isentá-la da obrigação de prestar assistência médico-hospitalar e epidemiológica da competência do Estado de Goiás.

29. Apelação do médico Amaurillo Monteiro de Oliveira improvida. Mantida a sentença que o condenou ao pagamento de R$ 100.000,00 ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.

30. Apelação do Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado de Goiás improvida. Mantida a sentença que condenou o IPASGO ao pagamento de R$ 100.000,00 ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.

31. Remessa oficial prejudicada.



Doutrina: TITULO: Goiânia, Rua 57
AUTOR : Fernando Gabeira
Edição:2ª Editora:Guanabara

Referência:

LEG:FED LEI:006453 ANO:1977
LEG:FED DEC:077052 ANO:1976 ART:00001 ART:00002 INC:00002 INC:00003
INC:00004 INC:00005 ART:00003 INC:00008 ART:00005
LEG:FED LEI:006938 ANO:1981 ART:00003 INC:00004 INC:00005
LEG:FED LEI:006437 ANO:1977 ART:00010 ART:00014
LEG:FED LEI:003071 ANO:1916 ART:00896 PAR:UNICO ART:01518 ART:00554
ART:01528
***** CC-16 CODIGO CIVIL
LEG:FED DEC:020910 ANO:1932
LEG:FED LEI:006189 ANO:1974 ART:00002 INC:00014 LET:A LET:B
LET:C LET:D ART:00001 INC:00001 INC:00004 LET:D
LEG:FED DEL:004597 ANO:1942
LEG:FED DEL:000200 ANO:1967 ART:00019 ART:00029
ARTS. 19 A 29
LEG:FED LEI:007781 ANO:1989
LEG:FED LEI:002312 ANO:1954
LEG:FED LEI:004118 ANO:1962 ART:00001 INC:00002
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DECRETO 49.974-A
LEG:FED DEC:077052 ANO:1976 ART:00010 INC:00003
LEG:FED DEC:081384 ANO:1978 ART:00008
LEG:FED LEI:006229 ANO:1975 ART:00001 INC:00001 LET:J
LEG:FED DEC:001306 ANO:1994
LEG:FED LEI:007437 ANO:1985 ART:00013
LEG:EST LEI:010977 ANO:1989
GOIÁS
LEG:FED LEI:009425 ANO:1996
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***** CPC-73 CODIGO DE PROCESSO CIVIL
LEG:FED DEL:001982 ANO:1982 ART:00001 INC:00004 LET:D
LEG:FED LEI:010308 ANO:2001 ART:00001 PAR:UNICO ART:00002 ART:00003
ART:00004 PAR:00001 PAR:00002 ART:00019 ART:00020 ART:00021
LEG:FED LEI:010308 ANO:2001 ART:00022 PAR:UNICO


CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MEIO AMBIENTE. ACIDENTE RADIOLÓGICO EM GOIÂNIA COM BOMBA DE CÉSIO 137. DANO AMBIENTAL E PESSOAL. PRESCRIÇÃO. PODER DE POLÍCIA, FISCALIZAÇÃO DE ATIVIDADES COM APARELHOS RADIOATIVOS. VIGILÂNCIA SANITÁRIA. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA UNIÃO FEDERAL. FISCALIZAÇÃO DE CLÍNICA MÉDICA. RESPONSABILIDADE DA SECRETARIA ESTADUAL DE SAÚDE. ABANDONO DE MATERIAL RADIOATIVO POR PROPRIETÁRIO DA CLÍNICA. NEGLIGÊNCIA E IMPRUDÊNCIA. SOLIDARIEDADE DECORRENTE DE ATO ILÍCITO. OBRIGAÇÃO DE FAZER (PRESTAÇÃO DE ATENDIMENTO MÉDICO HOSPITALAR ÀS VÍTIMAS), OBRIGAÇÃO DE DAR (PAGAMENTO AO FUNDO DE DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS).
(AC 2001.01.00.014371-2/GO, Rel. Desembargadora Federal Selene Maria De Almeida, Quinta Turma, DJ de 15/08/2005, p.45).”